Exames genéticos surgem como opção para bolar uma dieta personalizada e capaz de eliminar os quilos extras. Só que a tática desperta controvérsias
Cada célula do nosso corpo carrega um DNA, aquela sequência de genes que define características como cor do cabelo, altura… e a tendência a encarar certos problemas. O ganho de peso é um deles. Pois o conhecimento sobre o tema avançou tanto nas últimas décadas que nasceram testes genéticos prometendo interpretar esse verdadeiro manual interno para, assim, traçar um plano realmente efetivo de emagrecimento.
Com esses novos exames, seria possível descobrir, por exemplo, se um indivíduo tem maior facilidade para estocar gordura ou se apresenta baixa sensibilidade ao carboidrato — Para alcançar as respostas, os testes buscam alterações na estrutura dos genes, também conhecidas como polimorfismos, que interferem em como eles se comportam.
É tudo tão coerente e moderno que dá vontade de realizar um pente-fino no DNA amanhã mesmo, certo? Muita calma! A questão é que ninguém sabe exatamente que genes importam pra valer nessa história.
“Há evidências de que mais de 400 estão relacionados à obesidade, influenciando desde o comportamento alimentar até o aproveitamento dos nutrientes. Só que, hoje, os exames disponíveis avaliam cerca de 40 deles”, contextualiza a nutricionista.
A metodologia até consegue ver os polimorfismos mais estudados. Mas falta consenso sobre o que seria o tal “perfil genético” do ganho de peso. Um experimento recente, dividiu mais de 600 pessoas entre adeptas de dietas com pouca gordura ou com baixo índice de carboidratos. Depois, os cientistas analisaram três marcadores genéticos capazes de estimar a chance de sucesso de cada voluntário em emagrecer ao reduzir um dos nutrientes.
No fim, ficou claro que os genes não interferiam, desde que o indivíduo seguisse as orientações básicas. “Ou a genética importa, mas estamos olhando para os marcadores errados, ou ela simplesmente não faz diferença”, interpreta o nutricionista, autor do trabalho, considerado um dos mais confiáveis sobre o assunto até agora.
O passo a passo dos testes genéticos
Coleta: pode ser realizada com amostra de sangue ou com saliva recolhida pelo próprio paciente.
Preparo: ficar 30 minutos sem comer se a amostra vier da saliva. Se for do sangue, não há necessidade.
Controle: a amostra é avaliada para garantir que o DNA é suficiente para o sequenciamento.
Análise: já ocorre no Brasil, com métodos que isolam o DNA e usam estatística para estudá-lo.
Preço: está na casa dos milhares de reais. Os testes de dieta ainda não são cobertos pelos convênios.
À espera da ciência
Os mistérios do DNA e a falta de evidências robustas sobre os testes genéticos focados em nutrição e emagrecimento fazem com que a maioria dos especialistas ouvidos por SAÚDE tenham o pé atrás em relação à novidade. “Eles não devem ser totalmente desacreditados, pois há pesquisas sérias sendo feitas nesse campo. Mas não chegamos ao ponto de dizer se uma pessoa é propensa a engordar com base no genoma”, avalia a bióloga.
Hoje, até é possível calcular o risco genético de doenças, como alguns tipos de câncer, mas o ganho de peso é uma condição complexa e que depende de muitos fatores para acontecer, incluindo os hábitos alimentares desenvolvidos durante a vida inteira.
“Essa crítica é importante e verdadeira. No entanto, não podemos fechar os olhos para mais uma ferramenta que pode ajudar na prevenção e no tratamento da obesidade”, diz o nutrólogo, que, em certos casos, aconselha os testes a seus pacientes na capital paulista.
Aos poucos, os segredos do DNA relacionados à questão do peso vão sendo decifrados. Em 2018, uma pesquisa da Universidade de Toronto, no Canadá, constatou que indivíduos com alterações no gene FTO, envolvido na regulação da fome e da saciedade, emagreceriam mais facilmente com uma dieta proteica. O trabalho envolveu 1 400 pessoas e chegou a mostrar o impacto das diferenças étnicas nos desfechos: caucasianos e pessoas do sul da Ásia não tiveram o mesmo efeito que os descendentes do leste asiático.
Perceba que está aí, aliás, mais uma limitação da aplicação dos testes no Brasil: quase todos os estudos vêm de fora. “As investigações analisam outras populações, cujos polimorfismos podem ser diferentes”, explica a bióloga, que oferece um exame para mapear 80 alterações genômicas ligadas à nutrição.